Acredito que estamos chegando ao fim de um ciclo para empresas Professional Services que deve ditar muito do trabalho de consultorias e empresas de software nos próximos anos. O momento do mercado atual parece desafiador, não apenas pela oferta de trabalho de inovação e de maior valor agregado, mas também pela perspectiva do uso de inteligência artificial como substituição do trabalho de desenvolvimento.
A medida que nós explorávamos o que seria o mercado de tecnologia na Lambda3, lá entre 2020 e 2021, percebemos que o principal desafio para o futuro seria a sustentação de um modelo de negócios baseado no diferenciação seguindo o modelo proposto na Harvard Business Review:
Se você não conhece esse modelo, recomendo bastante a leitura do artigo de Ashish Nada e Das Narayandas, que vai a fundo em descrever as bases para um negócio de professional services, e o que fazer para se diferenciar.
Num mercado de crescimento e acesso a capital facilitado, essa estratégia é bastante eficiente, e permite empresas focarem nos perfis de clientes que realmente querem um serviço diferencial, ainda que com um ticket maior.
Para aproveitar o fluxo de capital, por mais de uma década empresas contrataram mais do que o necessário para executar projetos, e nosso mercado acabou super especializando papeis: UX de botão, Dev front que só programa com react, dba de noSQL, etc. Competição de salário também foi super comum até 2021, já que muitas empresas tinha meta de headcount contratado.
Nós seguimos um caminho diferente, mais demorado e desafiador, que acredito ter dado certo, e eventualmente nossa empresa foi adquirida. Foi um desafio incrível e talvez seja fonte de outros posts no blog.
A medida que o dinheiro de investimento diminuiu com a crise nas big techs em 2022, devido também ao aumento de juros nos EUA, toda a expectativa de mercado de crescimento e especulação foi substituída por uma pressão avassaladora por resultados de curto prazo. É possível ver esse movimento através da maneira como muitos dos layoffs que tem acontecido nos últimos anos:
Em momentos de crise de tecnologia, as empresas que sofrem primeiro são as que oferecem mão de obra especializada, seja através de squads de desenvolvimento, alocação de mão de obra ou projetos de escopo fechado. Quando empresas sofrem cortes de orçamento, os primeiros a sofrer são fornecedores: pagamentos atrasados (ou adiados), redução de equipes e eventuais quebras de contrato.
Gergely Orosz, o Pragmatic Engineer, tem um longo artigo descrevendo esse movimento, e o impacto dentro do mercado de profissionais de tecnologia. Recomendo muito a leitura se você se interessa por essa tendência.
Buscando uma saída
Nesse contexto, empresas de professional services de tecnologia se viram, todas, em uma sinuca de bico importante: garantir rentabilidade de negócios baseado em headcount e horas não era mais suficiente com a pressão para redução de margem. Para esse modelo de margens super apertadas, só existe uma realidade de trabalho que funciona: bodyshop com margem baixa (10% ou menos), que acaba com a possibilidade de venda de squads e equipes com ticket maior. Fugir dessa realidade é um caminho difícil. É como se todo o mercado, nesse momento, estivesse se nivelando por baixo, para atender a expectativa de resultado - natural, mas ainda assim problemático.
Sempre fui crítico do modelo de bodyshop, e os desafios que tocar um business focando nisso trazem, mas não dá pra negar que ele tem um apelo importante e muito a crescer nesse mercado: oferta de mão de obra barata de tecnologia tem seu benefício, apesar do custo operacional maior e margens muito menores. Por isso que toda empresa busca fugir desse modelo: no longo prazo ele não é o mais sustentável.
O que aconteceu em 2023 e 2024 foi que todas as grandes empresas se movimentaram para outras ofertas de serviço: managed services, produtos digitais ou pacotes fechados de renda recorrente. Basta navegar pelos sites de várias das grandes consultorias para entender o movimento já acontecendo desde 2023: maior ênfase em serviços de ticket recorrente, produtos digitais ou maior oferta de serviços padronizados que geram menor complexidade de negociação. Essas empresas passaram por consolidação de operações e redução de quadros, num movimento natural de redução de custos.
E mais do que isso: todas as empresas reduziram custos gerais de investimento em treinamento, benefícios, aumentando a carga de trabalho: o corte de curto prazo que vai afetar todos os próximos anos. Consultorias são as primeiras que sofrem nessa realidade de mercado, e foi nítido o resultado em vários de nossos concorrentes e empresas muito maiores ou foram consolidadas ou reduziram de tamanho, e isso também acabou gerando uma cascata de layoffs. A Thoughtworks, inclusive, voltou a ser uma empresa privada, um movimento claro de focar nessa transição de mercado pensando no longo prazo, que é impossível de fazer se você é uma empresa listada.
IA é a saída "perfeita" para quem compra serviços de TI
Quando você une esse cenário com a perspectiva da Inteligência Artificial, propagandeada por vendedores de ferramenta, junta-se a fome com a vontade de comer: um mercado esperando maior eficiência operacional, e uma solução à procura de um problema, com um argumento tácito matador para as empresas: a possibilidade, mesmo que remota, de substituir profissionais.
Essa intenção está cada vez mais madura, e já discuti algumas vezes neste blog. Para mim, sendo o real motivo de tanto dinheiro especulativo no investimento de soluções de IA. Independentemente da evidência contrária que já temos sobre a eficácia dessas ferramentas.
A realidade de equipes que trabalham executando projetos passará por um cenário tenebroso. Acredito que é assim que se encerra esse ciclo de evolução no mercado de Professional Services. Daqui para frente é só ladeira abaixo. Esse modelo de atuação está com os dias contados - e nossa expectativa do tipo de trabalho que virá, não é tão positiva:
A simples percepção de ganho de produtividade gera pressão por mais entregas
Pressão por margem obriga a redução de qualidade: seja de pessoas, seja de entrega
Mais entregas individualizadas tem percepção de eficiência maior do time e a maior capacidade de execução
Times são divididos e reduzidos para chegar ao baseline anterior, que agora precisa de menos pessoas, mesmo que a base de código esteja sendo degradada ao ponto de não retorno
Equipe mais estressadas produzem código pior, acelerando a degradação da base de código. O que era ruim fica ainda pior
Problemas de manutenção e complexidade de código gerado diminuem ainda mais a capacidade de entrega dos times e serão o próximo direcionador de contratação, que precisarão reescrever produtos para compensar o estado dos sistemas anteriores
Pra entender de forma real esse futuro que se desponta, eu resolvi dar um passo mais profundo no mundo técnico da inteligência artificial, através de um mestrado pra me preparar para o próximo ciclo que vai impactar nosso mercado, não porque as soluções são apenas transformadoras, mas porque o interesse em usar essas ferramentas está sendo vendido pra nós como a panacea tecnológica como poucas vezes aconteceu no mundo.
Eu acredito que IA está sendo empurrada para todas as indústrias mundiais como uma forma de compensar as dezenas de bilhões de dólares investidos em infraestrutura e energia, ao ponto de BigTechs colocarem em risco o planeta para bancar a quantidade de energia necessária para colocar em atividades modelos de machine learning cada vez mais complexo.
Pra que nós, tecnologistas estejamos preparados para o que está por vir, a única forma é sermos uma fonte de conhecimento especialista e cético quanto às promessas da Inteligência Artificial, pra apoiar a tomada de decisão não só empresarial, sobre o uso e regulação dessas ferramentas.
Software Delivery Services - o futuro?
Existe bastante especulação sobre para onde o mercado de Professional Services de TI deve seguir, e obviamente que a máquina de construção de pás está agindo para criar ainda mais expectativa com a IA.
Um conceito novo, transformacional, é a idéia de utilizar agentes de IA para executar trabalhos atomizados (micro) e relativamente independentes, que seriam contratados ao invés de um free-lancer ou consultoria - sim, mais sonho que realidade. Nessa idéia, existe uma mudança em direção a modelos de negócios baseados em uso em empresas de Serviços Entregues por Software (SES), ou Software Delivery Services, particularmente à medida que se cruza com o setor tradicional de serviços profissionais. Ao aproveitar a tecnologia para automatizar tarefas intensivas em mão de obra, algumas empresas estão oferecendo alternativas econômicas às firmas de serviços profissionais estabelecidas, enquanto ainda atendem às necessidades dos clientes.
Neste conceito, equipes com o uso de agentes de IA podem preencher lacunas de forma automatizada, para trabalhos que sejam pequenos o suficiente que todo o processo de gestão comercial, onboarding e entrega seja completamente diferente. Em essência, empresas de SDS bem-sucedidas incorporarão o conceito de "startup full-stack" introduzido por Chris Dixon.
Exemplos de tais empresas incluem Sierra, Lighthouse, Crescendo, Micro1 e Exec.com. Cada uma dessas empresas oferece um serviço único que aproveita a IA para atender a necessidades específicas da indústria, cobrando com base em unidade ou desempenho.
O sucesso desse modelo dependerá da capacidade dessas empresas em encontrar trabalhos que possam ser automatizados ao máximo, quebrando o ciclo de projetos tradicional em Professional Services.
Sigo cético, mas atento a conhecer algumas dessas tendências.
Como a IA pode transformar o mercado
O canal Internet of Bugs, é talvez o mais interessante no tema de desenvolvimento de software da atualidade. Carl Brown é experiente e cético quanto a todo o hype, e tem sido uma referência que gosto de acompanhar. Sem memes, sem click bait, sem bobeiras pra deixar o video mais longo: puro conteúdo.
Desenvolvimento de software tende à mediocridade?
No twitter, em meio ao turbilhão do ano passado, descrevi minha frustração com o mercado de tecnologia. Deixo aqui registrado um pouco da minha experiência em 20 anos de Professional Services.
Todo desenvolvimento de software tende à mediocridade? Sim, e tem muito pouco que podemos fazer a respeito - perdemos a luta por um ecossistema de tecnologia que preze pela qualidade de software, consistência de entrega e ritmo sustentável. Mais do que isso, não existem mecanismos adequados nas organizações quem possam fazer isso de maneira duradoura.
Apesar dos exemplos louváveis de quem está tentando a duras penas manter um ritmo sustentável e algum tipo de maestria no dia-a-dia, o principal da nossa indústria de software é mediana, medíocre, incompetente e que não pretende melhorar: é mais fácil trocar de empresa, ou desistir do lançamento de um produto, do que preparar uma evolução real que no longo prazo trará frutos: é a indústria TikTok de TI. Ninguém fica tempo suficiente na empresa para entender o impacto das decisões ruins que estamos tomando: nem executivos, nem funcionários, nem empreendedores. Só resta o ciclo vicioso de catar os cacos de tecnologias cada vez mais fragmentadas até não aguentar mais, com profissionais cada vez mais estressados e menos experientes para atender a demanda sempre crescente.
São necessários poucos meses para que toda uma equipe de tecnologia seja substituída e que todo o histórico de decisões seja perdido - Saímos de um mundo em que as pessoas se aposentavam no trabalho, pra um em que ninguém chega a 2 anos numa empresa. E os incentivos gerais só pioram a situação: Executivos medidos por resultados trimestrais, tomam decisões absurdas para garantir o número de agora, mesmo que isso gere prejuízos futuros. Regras salariais impedem que funcionários sejam avaliados acima de um percentual por ano, criando um cenário que é melhor sair da empresa para ganhar aumento do que esperar uma promoção.
O próprio ritmo em que equipes são formadas e desfeitas joga contra o desenvolvimento de produtos sustentáveis - em tecnologia e em negócio. Responder rapidamente à mudança não é a mesma coisa que entregar qualquer coisa a qualquer custo, por mais que seu gestor dê a entender isso no seu dia-a-dia. Com gestores cada vez mais distantes de tecnologia e ao mesmo tempo cada vez mais dependentes dos resultados do que se faz com tecnologia, não há como saber o óbvio: quase toda empresa é uma bomba relógio de TI.
Eu realmente acho que o futuro da profissão é bastante sombrio: cada vez mais pressionado por visões de curto prazo e busca por resultados imediatos, em detrimento total da sobrevivência do parque de tecnologia das empresas. Hoje em dia é mais fácil decretar falência e seguir para o próximo greenfield startupeiro. Mesmo com o avanço da discussão sobre manutenibilidade de código, métricas de qualidade e eficiência de processos em vários campos, o conjunto de incentivos pra executivos que tocam em tecnologia é tão perverso, que não há, em hipótese alguma, chance de uma equipe motivada permaneça assim por muito tempo.
Nesse contexto, inteligência artificial vem para piorar a situação. Como o Giovanni Bassi disse: gestores e executivos que não entendem muito de tecnologia agora esperam a possibilidade de uso de uma ferramenta cujo maior potencial é substituir a pessoa desenvolvedora na equipe, enquanto sabidamente se adiciona mais complexidade e divida técnica ao código, ampliando ainda mais o problema.
Vendors de tecnologia, por sua vez, superestimam as capacidades de suas ferramentas, para conseguirem se diferenciar no mercado já polarizado e movido ao hype: 2021 web3, 2022 data science, 2023 gpt, 2024 IA pra tudo.
Eu sigo cansado, já há bastante tempo, desse modelo que lutei tanto contra. Não quero soar niilista nesse texto, mas me questiono muito se existe algum saída.
Seguimos...
Compartilho com a visão de fim de ciclo… Agora, tentando olhar pro lado positivo de cada ciclo desses, acredito que sempre semeiam algo de bom… Olhando muito do alto, ao longo dos anos, está cada vez mais fácil desenvolver software, as soluções e experiências vêm melhorando, está mais fácil detectar e corrigir erros (também construir com qualidade, mas como vc mesmo disse, aqui ficamos aquém do potencial), etc…
O que me pergunto é: o que o próximo ciclo nos reserva?