Um livro pré Covid e pandemia, pré corrida Web3, pré Explosão de IA e pré fraudes históricas como Theranos e FTC. Mesmo assim, consegue se manter atual, enquanto discute problemas do empreendedorismo startupeiro high stakes, Y Combinator e Vale do Silício.
A própria autora introduz o tema, que recomendo você assistir:
O livro "Abolir o Vale do Silício: como libertar a tecnologia do capitalismo", de Wendy Liu, conta a sua experiência como Founder de Startup e todo o processo de desenvolvimento da empresa e eventual venda: o sonho meritocrático e ingênuo de que basta trabalhar incessantemente à beira de um colapso para que eventualmente sua empresa encontre um market fit e magicamente dinheiro de investimento entraria pela porta para que você se torne a mais nova capa da Forbes, mesmo que cometendo crimes.
O livro é dividido em duas partes bastante definidas: o sonho furado de criar startup nos moldes atuais, e a eventual decepção e descoberta dos aspectos estruturais desse modelo que já há muito anos é questionado. Liu aprofunda a primeira parte, de uma que conheço bem - culpa por acreditar num modelo que não funciona, e carregado de auto piedade em busca de memórias nitidamente dolorosas.
Deixando claro: este livro é uma crítica ao Capitalismo, mas principalmente uma crítica ao modelo atual de capitalismo do Vale do Silício que busca usar a tecnologia indiscriminadamente para o lucro, mesmo que isso coloque em risco comunidades, países ou o próprio planeta.
Nesse contexto, o próprio modelo no qual o Vale é baseado precisa ser questionado, e é isso que a autora tenta fazer no livro. E o que não faltam são evidências da ganância, estupidez e mal caratismo deste mercado.
Theranos e Elizabeth Holmes (presa) entram para a história enganando o mundo com dinheiro de Venture Capital
We Work e Adam Neumann representam o modelo completamente falido e problemático
FTX e Sam Bankman-Fried (preso) são exemplares da realidade perversa e enganadora do mercado de capitais de risco e startups
Seria o momento atual de Inteligência Artificial diferente disso?
Para mim, a primeira metade do livro foi um martírio para ler. Um história parecida com tantas outras que já ouvi, mentorei e trabalhei junto: sonho de criar um produto, nenhuma preocupação ética, crença delirante de grandeza e propósito, admiração por falsos profetas do capitalismo startupeiro, pronto para qualquer coisa para ter sucesso. Eu já estive lá e sei o quão ruim isso é para o indivíduo. Mas Liu explora esse tema sob a perspectiva pessoal, que é interessante, mas preferia que fosse mais curta.
A segunda metade do livro tem um foco diferente, e em vários aspectos é muito melhor.
De sua decepção empreendedora, ela encadeia seu pensamento a partir da experiência no mundo de startups para criticar o movimento de aceleradoras como produção de mão de obra para Big Techs, os sonhos de grandeza e riqueza instantânea de seus colegas no mercado, as crenças meritocráticas e culturais que dominam o imaginário atual, o estagio de desenvolvimento e influência de Big Techs no mundo e finalmente o componente estrutural disso tudo: o Capitalismo.
Por fim, ela propões caminhos para transicionar o modelo atual para uma realidade diferente, ainda que distante e utópica. Pessoalmente eu gostaria de maior profundidade, mas entendo que o livro é direcionado para um público que está se deparando com os problemas desse mundo agora, e serve de trampolim para leituras mais profundas. Apesar disso, o livro traz uma racionalização dos problemas bastante contundente, e é carregado de referências para leitura.
Para aquela pessoa que está começando a questionar a realidade utópica do mundo meritocrático e startupeiro: esse livro é uma indicação bacana.
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